Friday, February 1, 2013

O SOM DO GEORGE MAGALHÃES





By Alfred Huntchcock*

Sala comprida e estreita, em formato da lâmina de faca de açogueiro. A relação entre seu comprimento e sua largura corresponde, aproximadamente, à metade final da lâmina. A ponta desta fica no fundo da sala. Três poltronas alinhadas lado a lado, sendo a central reclinável e com um apoio, retirável, para os pés, pois nada deve existir entre as caixas e os ouvidos de quem escuta o som.
A mesa alta, com cadeiras, fica atrás das poltronas. Pode-se dizer que quase todas as superfícies da sala são recobertas a guisa de tratamento do som do ambiente. No geral, o que se ouve vem, em grande medida, das caixas, pois os sons indiretos são quase todos absorvidos pelo ambiente. Assim, a “ambiência” fica mesmo por conta do que existe na gravação (como deve ser). Não se trata, no entanto, de uma câmara anecóica, mind you.
Perto do fundo da sala (à frente da ponta do sabre) existem três volumes aproximadamente do tamanho de um colchão de solteiro espesso, dispostos verticalmente. GM nos falou que foi construído por ele e, pelo que entendi, domou uma determinada frequência que teimava em se exacerbar. Talvez funcionem como o que existe no mercado americano chamado de “tube trap”, que, em geral, são cilíndricos e engolem os graves que insistem em transbordar. Uma nota à margem: o tratamento acústico não é simétrico, pois as laterais não são iguais. Assim, uma caixa tem, a seu lado, uma parede que vai fechando até formar uma ponta com a outra lateral que segue sempre reta. Esta última tem a outra caixa em suas proximidades.
Essa questão do grave é a mais complexa e dá muito trabalho para ser resolvida. GM parece te-la resolvido, pois escuta-se seu som como se fosse num fone de ouvido, ou seja: direto do produtor para o consumidor. Ainda, todos os cantos vivos (exceto o formado pelo piso e paredes) são eliminados, através da aplicação de painéis que formam túneis de seção triangular com a junção parede-teto, estes ficando fora de ação, pois o som é absorvido pelo painel que dá para o ambiente. Trata-se de um tratamento clássico que se deve fazer em salas dedicadas a som.
Existem muitas reentrâncias e saliências e, como deve ser, há um equilíbrio entre absorção e difusão de som, embora a posição de audição possa ser considerada “nearfield”, ou seja: fica-se muito próximo das caixas, o que minimiza o efeito das difusões e faz com que se ouça quase como num headphone.
Para que se possa ouvir tão de perto, é necessário que os falantes das caixas estejam agrupados bem próximos uns dos outros, ou que haja possibilidade de movê-los como nas caixas Wilson. A caixa lá existente (marca Tidal, alemã, de US$ 28,5 K, com dois drivers de 7.0”revestidos de cerâmica negra e um tweeter de diamante de 1,2”) tem os falantes bem próximos entre si, de modo que o “blending” ocorre na frente da posição de audição. Deve ser do tipo 2,5 vias, o que significa dizer que os falantes de 7,0” têm cortes de frequência diferentes um do outro. Nesse caso, a transição para o tweeter é feita por apenas um deles. Altura aproximada de 1,2m, sendo mais estreita do que profunda e apresenta o baffle inclinado para “alinhar” o som dos falantes.
Iluminação adequada para audições cerebrais, pois, sendo muito atenuada, proporciona que a atenção fique mesmo fixada naquilo que sai dos transdutores. Pelo que andei investigando, as caixas são o modelo Piano Diacera. Apoiam-se sobre duas barras em aço inoxidável, estas ampliando a base de apoio das caixas, pois avançam lateralmente, sendo dotadas de spikes.
Os amplificadores são do tipo monobloco (monoaurais) e ladeiam o rack que recebe apenas o CD player (da marca Esoteric, que é a marca de luxo da Teac. É como se fosse o Lexus da Toyota) e o pré-amplificador. Pré e Power são de fabricação Audiopax (modelo Maggiore M 100), empresa brasileira fundada e, até recentemente, conduzida tecnicamente pelo grande projetista (de fama mundial, nos melhores círculos de áudio) Eduardo Lima, que, infelizmente, foi traído por um infarto fatal, no final do ano passado. Os powers são valvulados, do tipo single ended, que, conforme implementado pelo EL, dispõe de todas as virtudes dessa espécie, sem, no entanto, apresentar suas limitações (geralmente pouca potência e insuficiente extensão nas pontas do espectro sonoro). (Além disso, apresenta distorção fixa, não variando na medida de sua solicitação). Dessa forma, exibe, então, a qualidade principal desse tipo de circuito: a melhor expressão do coração de qualquer música, qual seja: médios gloriosos, dificilmente igualados por outros tipos de amplificação, em 100 watts de potência (cada). O acabamento não fica a dever a quase nada que possa existir comercialmente. São muito bem acabados.
Resumindo, temos o seguinte: amplificação valvular da melhor estirpe, top flight CD player, caixas equilibradíssimas, tudo embalado numa sala super tratada. Ah, mais uma: os cabos das caixas são de fabricação artesanal, alemã. O fabricante faz questão que o interessado o compare com o que quiser, antes de comprá-los e só faz o negócio após mostrar que eles batem qualquer um! Infelizmente, vou ficar devendo a marca, pois não me lembro e nem mesmo sei se seu fabricante se preocupou em registrar uma... Os cabos que lá estavam trabalham suspensos do chão, apoiados em suportes próprios (provavelmente cerâmicos).
GM ofereceu ao Marcílio três marcas diferentes de uísque, sendo um japonês e dois escoceses. O pior deles era um Johnny Walker Green Label. Meu “cervejismo” foi atendido pela Pilsner Urquell, fabricada na Eslováquia, sendo tida como uma das melhores cervejas comerciais do mundo, senão a melhor. GM considera a melhor uma fabricada no Japão, mas não é aquela que alguns por aqui conhecem. Não sei qual é a marca. Fiquei curioso e dei uma provadinha no uísque japonês antes de enveredar pela cerveja... Quanto ao ranqueamento dos uísques, o Marcílio sabe mais do que eu...
O som? Não vi defeito. Tá bom, ou querem mais?
Bem, fora de brincadeira, agora. Não foi o melhor agudo, nem o melhor médio, nem o melhor grave que, tomados isoladamente já ouvi. No entanto, em se tratando de transdutores cônicos, o médio que ouvi é uma parada. No entanto, o som, tomado em sua inteireza, é um dos mais reais que já escutei. Se eu quiser por algum defeito, falo que os graves poderiam ser mais profundos. Mas essa é apenas uma impossibilidade física, vez que a configuração da caixa não permitiria isso sem a ajuda de alguma equalização. Ou seja, a proposta é mesmo chegar em 30 hz, o que, para muitos é o que basta. Mas eu sou um pouco bass-freak. Daí...
No mais, um recorte perfeito, uma separação excelente, um som líquido, apurado, bem acabado, “lisinho” e o chamado “palco sonoro”, quando existente na gravação, se apresenta em todo o seu esplendor. Excelente microdinâmica e uma macrodinâmica mais do que boa, condizente com conjunto que ouvimos. (Mais uma vez, a física limita esse aspecto)... No final, é como se tivéssemos ouvindo um bookshelf speaker turbinado.
Ouvimos vários CD’s picados, pois estávamos atrás de ouvir o som, não, propriamente, curtir música. Assim, saiu quase de tudo (exceto lambada, sertanejo universitário, jovem guarda e afins). Curtimos pequenos grupos, vozes masculinas, femininas, pianos (claro), baixo acústico e voz, guitarra flamenca, sanfona, bandoneon, orquestra, etc. O som se apresentava muito livre da “digititis” que faz tantos procurarem o vinil. Fico pensando: o que faltava ali que muitos procuram no vinil? Não sei, não sei mesmo... Será que procuram a verdade? Ou será que, em meio a tantos tweeks que se podem fazer nos conjuntos analógicos baseados em toca-discos, buscam outra “verdade”, deles, bem particular?...
Excelente conjunto sala-sistema de som. Seguramente, um dos melhores que já ouvi e, desconfio, o mais acertado da cidade...
Quem morar ou estiver em Fortaleza, gostar de som e puder ouvi-lo, não deve perder a chance...
P.S:
Conheci Eduardo Lima num dos primeiros shows do Fernando Andretti. Naquele show (numa casa fabulosa que seria palco de uma invasão da PF no show subsequente), ele apresentou um pequeno amplificador (não me recordo se integrado), com umas pequenas caixas, numa sala pequeníssima. Já ali, me impressionou.
Pessoa extremamente simpática, afável e simples, como convém mesmo aos verdadeiramente gênios. Infelizmente, foi retirado de nossa convivência aos 54 anos de idade.
A Audiopax, para quem não sabe, é uma espécie de Embraer do som, ainda precisada do reconhecimento mundial desta. Com a falta do Eduardo, não sei o que será dela. O que se sabe é que existiam vários projetos dele já concluídos e que, conforme GM nos falou, seu filho está na empresa e tem a mesma estirpe de seu pai.
A ver...

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